Rivaroxabana versus antivitamina K em pacientes dialíticos com FA

13/05/2021, 11:44 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30

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  • Rodolfo Dourado - Médico Cardiologista e pesquisador do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital da Bahia

Fundamentação: Em pacientes com fibrilação atrial (FA), a estratificação de risco tromboembólico, usando o escore CHA2DS2VASC, é fundamental para definir a indicação de terapia com anticoagulação oral (ACO). Os pacientes com FA e com disfunção renal e em terapia dialítica, representam um subgrupo especial e, em usa maioria, são classificados como alto risco com indicação formal de ACO. Entretanto, o uso de ACO nessa população ainda é controverso. Os antagonistas de vitamina K (AViK) têm sido a ACO padrão nos portadores de disfunção renal avançada e em diálise, mas estudos observacionais falharam em demonstrar redução de risco tromboembólico (2), além de evidenciarem aumento desproporcional de sangramento, sobretudo AVC hemorrágico (2), e possível aceleramento da calcificação vascular nesses pacientes. Por isso, nos últimos anos, observa-se um aumento do uso de anticoagulantes orais diretos (DOAC) na população em HD, a despeito da escassez de evidências sobre benefício e segurança e da ausência de esquema posológico validado em ensaios clínicos.

Metodologia: O Valkyrie Trial, foi um estudo desenhado inicialmente para avaliar o efeito dos AViK na progressão da calcificação vascular e randomizou 132 pacientes para AViK x Rivaroxabana x Rivaroxaban e Vitamina K2 por 18 meses. Nos pacientes que completaram esse estudo então, estendeu-se a avaliação por mais 18 meses para análise de desfechos de segurança e eficácia, cujos resultados são então expostos no presente artigo. Estudo prospectivo, randomizado, aberto, conduzido em 3 cidades na Bélgica. Foram incluídos pacientes com FA, CHA2DS2VASC maior ou igual a 2. O estudo foi dividido manteve os 3 braços do Valkyrie: AVK (44 pacientes) x Rivaroxabana 10mg (46 pacientes) x Rivaroxabana 10mg e Vitamina K2 (42 pacientes) por 18 meses. Grupo AViK recebeu varfarina com mensuração semanal de RNI e meta de 2 a 3. O desfecho primário foi composto de morte súbita, AVC isquêmico síndrome coronariana aguda, morte de causa cardíaca, hospitalização por insuficiência cardíaca, estenose aórtica sintomática, isquemia periférica sintomática de membros inferiores, isquemia mesentérica, calcifilaxia. O desfecho secundário foi a análise isolada de cada um dos componentes do desfecho primário. Desfechos de segurança também foram avaliados: sangramento ameaçador a vida, sangramento maior e sangramento menor.

Principais Resultados: Não houve diferenças significativas entre as características basais dos grupos, sendo a média de CHA2DS2VASC e HASBLED de 5, com 35% dos pacientes em uso concomitante de AAS. Houve interrupção definitiva do tratamento em 25% dos pacientes, dos quais 31,8% no grupo AViK e 21,6% no somatório dos grupos Rivaroxabana (p = 0,21). A razão entre o tempo de ACO e o tempo total de observação foi 0,89 no AViK e 0,88 nos grupos Rivaroxabana. Parâmetro importante, o TTR foi de 48% no grupo AViK (com maior tempo de RNI subterapêutico do que supraterapêutico). A análise do desfecho primário mostrou ocorrência de eventos em 35 pacientes no grupo AViK (63,8 por 100 pessoas-ano), 23 dos pacientes em uso de Rivaroxabana isolada (26.2 por 100 pessoas-ano) e 17 pacientes em uso de Rivarobana + Vitamina K2 (21.4 por 100 pessoas-ano). O risco relativo estimado entre os grupos AViK e Rivaroxabana isolada foi 0,41 (p=0,0003) e entre os grupos AViK e Rivarobana + Vitamina K2 foi 0,34 (p=0,0003).

Quando realizado análises isoladas de cada um dos componentes do desfecho composto, nota-se que a principal diferença, estatisticamente significante, ocorreu na incidência de isquemia sintomática de membros inferiores. Em geral, a taxa de mortalidade foi 30.6 por 100 pessoas-ano e as principais causa interrupção de HD, doença cardiovascular e morte súbita. AVC isquémico ocorreu em 4.7 por 100 pessoas-ano e não houve diferença no CHA2DS2VASC entre os pacientes que tiveram ou não AVC isquêmico. Quanto aos desfechos de segurança, o risco relativo de sangramento estimado entre os grupos AViK e Rivaroxabana isolada foi 0,77 (p=0,39) e entre os grupos AViK e Rivarobana + Vitamina K2 foi 0,93 (p=0,81). Quando analisados os sangramentos ameaçadores à vida e os sangramentos maiores (total de 53 episódios em 132 pacientes) a ocorrência foi significativamente maior no grupo AViK em relação aos Rivarobana combinada (risco relativo 0,44 p=0,02) e o tempo para o primeiro episódio foi significativamente menor no grupo AViK. Não houve diferença em sangramento menor e sangramento gastrointestinal. O HASBLED não foi preditor de sangramento, mas sangramento do tratao gastrointestinal prévio levou a um risco relativo de 1,84 (p= 0,02)

A análise combinada do desfecho primário mais sangramento ameaçador a vida e sangramento maior levou a um benefício líquido de 0,45 (p< 0,0001) a favor do Rivaroxabana.

Conclusão: Os achados mostram um perfil de risco-benefício favorável ao uso do DOAC em relação ao AViK em pacientes com FA e em terapia dialítica. As diferenças em complicações hemorrágicas maiores foram clinicamente relevantes e sugerem que AViKs devem ser evitados em pacientes dialíticos. As diferenças em isquemia sintomática de membros inferiores também foram notáveis e apontam para um efeito protetor da Rivaroxabana em doença vascular periférica. Como o estudo não teve braço com placebo, não é possível avaliar sobre risco e benefício do DOAC em relação a ausência de anticoagulação em pacientes dialíticos.

Impacto Clínico: Apesar do pequeno número de pacientes incluídos, esse estudo é o primeiro ensaio clínico randomizado a avaliar o risco tromboembólico e hemorrágico em pacientes com FA em diálise durante o tratamento de longo prazo com AViK ou DOAC. E, a despeito do estudo envolver uma população com CHA2DS2VASC médio alto e do TTR ter sido baixo, com maior tempo subterapêutico, não houve diferença estatisticamente significante em quase nenhum desfecho de eficácia analisado. Exceção feita para isquemia sintomática de membro inferior, o que corrobora os achados do COMPASS trial, no qual a adição Rivaroxobana em baixa dose ao uso de aspirina resultou também em melhores desfechos cardiovasculares nos pacientes com doença vascular periférica. Benefício que foi preservado em pacientes com disfunção renal moderada (3).

O principal impacto do estudo, entretanto, vem da demonstração de redução significativa do risco de sangramentos maiores ou ameaçadores a vida nos pacientes que usaram Rivaroxabana em preferência ao AViK. Ainda mais quando se demonstra um TTR baixo, com maior tempo subterapêutico, a despeito de todos os esforços dos pesquisadores para controle adequado do RNI. O trial RENAL-AF, anterior a este, comparou Apixabana e AViK em pacientes com FA e em HD e foi interrompido precocemente devido a ausência de diferença em desfechos de eficácia e segurança nas avaliações preliminares. Interrupção que em um segundo momento foi questionada quando se mostrou que metade dos sangramentos reportados foram na verdade complicações locais no sitio de acesso venoso. Além de 71% dos pacientes terem recebido a dose de 5mg duas vezes ao dia, que pode estar associada a superdosagem em pacientes dialíticos(4).

Referências Bibliográficas:

  1. Vriese AS, Caluwé R, et al: Safety and Efficacy of Vitamin K Antagonists versus Rivaroxaban in Hemodialysis Patients with Atrial Fibrillation: A Multicenter Randomized Controlled Trial. JASN March 2021, ASN.2020111566
  2. Randhawa MS, Vishwanath R, Rai MP, Wang L, Randhawa AK, Abela G, et al.: Association between use of warfarin for atrial fibrillation and outcomes among patients with end-stage renal disease: A systematic review and meta-analysis. JAMA Netw Open 3: e202175, 2020
  3. Fox KAA, Eikelboom JW, Shestakovska O, Connolly SJ, Metsarinne KP, Yusuf S: Rivaroxaban plus aspirin in patients with vascular disease and renal dysfunction: From the COMPASS trial. J Am Coll Cardiol 73: 2243–2250, 2019
  4. American College of Cardiology: RENal hemodialysis patients ALlocated apixaban versus warfarin in Atrial Fibrillation - RENAL-AF. Available at: https://www.acc.org/latest-in-cardiology/clinical-trials/ 2019/11/15/17/29/renal-af. Accessed October 24, 2020
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