Rastreamento de Fibrilação Atrial em Idosos: um ensaio clínico randomizado

23/03/2021, 00:00 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30

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  • André Zimerman - Médico Internista e Residente de Cardiologia no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA)

Fundamentação: Prevenir só é possível quando identificamos quem está sob risco e atuamos cedo. Para prevenir casos de acidente vascular encefálico isquêmico (AVEi), identificamos aqueles pacientes sob risco – idosos com fibrilação atrial, por exemplo – e atuamos cedo, propondo um anticoagulante. Este estudo parte dessa premissa: se identificarmos o paciente precocemente e propusermos antes o tratamento, podemos prevenir desfechos negativos. Aqui o foco foi detectar fibrilação atrial, arritmia subdiagnosticada que acomete 1 a cada 10 idosos, em indivíduos assintomáticos, e avaliar como o diagnóstico impactou a prescrição de terapia anticoagulante.

Metodologia: Este ensaio clínico randomizado incluiu idosos (≥75 anos) hipertensos, recrutados em centros de atenção primária. Foram excluídos os participantes com fibrilação atrial documentada. O desfecho principal do estudo foi a detecção de fibrilação atrial ou flutter em 6 meses, fosse via monitorização ou clinicamente. O grupo controle foi avaliado com palpação de pulso e ausculta cardíaca no momento da inclusão e em 6 meses. Já os participantes da intervenção (grupo rastreamento) utilizaram, além da aferição padrão, um patch transdérmico de monitorização eletrocardiográfica contínua, na inclusão e em 3 meses (no total, 28 dias monitorizados).

Principais Resultados: O estudo incluiu 856 participantes. A idade média foi de 80 anos, e 57% eram mulheres. Fibrilação atrial foi detectada em 5,3% (23 de 434) dos participantes do grupo rastreamento vs. 0,5% (2 de 422) daqueles do grupo controle: um risco relativo de 11,2 [IC 95%, 2,7-47,1], compatível com diferença absoluta de 4,8% [IC 95%, 2,6%-7,0%]. Foram necessários 21 participantes para detectar uma fibrilação atrial adicional.

Daqueles 20 participantes com fibrilação atrial documentada pelo dispositivo, o tempo mediano em fibrilação foi de 6,3 horas (IQR, 4,2-14,0). Destes, 75% (15/20) iniciaram anticoagulação oral. Em 6 meses, receberam anticoagulantes 4,1% (18/434) dos participantes do grupo rastreamento vs. 0,9% (4/422) daqueles do grupo controle, uma diferença absoluta de 3,2% [IC 95%, 1,1%-5,3%].

Em relação a eventos adversos, 80% dos participantes descreveram o patch como confortável durante o dia e a noite. Cinco participantes do grupo rastreamento (1,2%) apresentaram reações dermatológicas que implicaram retirada precoce da monitorização.

Conclusão: Os autores concluem que, em idosos hipertensos, o monitor via patch para detectar fibrilação atrial foi bem tolerado, efetivo – aumentou detecção em 10 vezes –, e frequentemente mudou a conduta do médico, que prescreveu anticoagulante na maioria dos casos detectados.

Impacto Clínico: Quanto antes identificamos um risco, antes conseguimos intervir e, se tivermos sorte, a intervenção precoce beneficia a vida do paciente. Parece simples. Mas histórias de sucesso do rastreamento vêm sendo fortemente questionadas. A empolgação sobre a mamografia foi substituída pela discussão de custo-benefício, e a medida de PSA por figuras de risco absoluto. Cada rastreio é um teste diagnóstico e, como tal, sujeito a falsos-positivos e a falsos-negativos; a angústias coletivas; a exames adicionais, com seus próprios riscos; e a intervenções médicas potencialmente ineficazes ou danosas.

No meio do ceticismo sobre o rastreamento, lemos este estudo que procura detectar fibrilação atrial assintomática em idosos. Os potenciais benefícios são claros: anticoagular precocemente e reduzir o risco de AVEi em uma população de risco (CHADS2-VASc mediano, 4). Mas vamos aos contras. Primeiro, ninguém quer usar um patch por 4 semanas. Segundo, esse dispositivo só detecta fibrilação nas pessoas que não procuraram atendimento por motivo clínico e que apresentaram baixíssimo tempo em arritmia (tempo mediano, 6 horas); em outras palavras, só detecta a arritmia naqueles com menor benefício em começar o tratamento. Terceiro, mesmo na melhor das hipóteses, esse benefício parece ser limitado: utilizando as porcentagens do estudo, a cada 1000 rastreios nós (1) identificamos 48 idosos com fibrilação, (2) iniciamos anticoagulante em 36 deles, e assim (3) anualmente prevenimos AVEi em 1-2 pacientes daqueles 1000 iniciais. E esses 1-2/1000 seriam a hipótese mais otimista, extrapolando-se os percentuais de benefícios de tratar a fibrilação detectada clinicamente, considerando bom controle de anticoagulante e desconsiderando o risco hemorrágico. Parece pouco eficiente.

Esta é a minha balança pessoal:

- Esse rastreamento pode ajudar? Sim, tem potencial.

- Vou aplicar em todos os meus pacientes? Não.

- E nos pacientes interessados que entendem as incertezas envolvidas? Certamente.

- Vai ser implementado na prática? Só com um estudo definitivo. Por ora, não vai: ninguém gosta de usar um patch por 4 semanas.

O próximo estudo começa onde esse parou, na etapa que é o cemitério dos exames de rastreamento: impacto em desfecho clinicamente relevante. Se esse teste for capaz de (1) identificar o indivíduo de risco, de (2) gerar uma intervenção precoce, e de (3) garantir que isso melhore a vida do paciente, sairemos vitoriosos todos. Por enquanto, não pretendo utilizar de rotina. Mas a melhor decisão é a do paciente bem informado, sempre.

Referências Bibliográficas:

  1. Gladstone DJ, Wachter R, Schmalstieg-Bahr K, Quinn FR, Hummers E, Ivers N, et al. Screening for Atrial Fibrillation in the Older Population: A Randomized Clinical Trial. JAMA Cardiology [Internet]. 2021 Feb 24 [cited 2021 Mar 20]; Available from: https://doi.org/10.1001/jamacardio.2021.0038
  2. #ARRITMIA

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