Efeito de descontinuar ou continuar IECA e BRA em pacientes admitidos por COVID-19. BRACE CORONA

23/03/2021, 00:00 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30

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  • Rodolfo Dourado - Médico Cardiologista do Hospital da Bahia e médico pesquisador do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital da Bahia

Fundamentação: A COVID-19, doença contagiosa causada pelo SARS-COV-2, alcançou e vem mantendo seu status de pandemia; disseminada mundialmente, sobrecarregando sistemas de saúde, estrangulando a economia global e levando a inestimáveis perdas de vidas. Entender o ciclo de infecção, replicação, transmissão do vírus é fundamental para reverter o quadro e seus agravos. 2 Ja se reconhece que o SARS-COV-2 usa a Enzima Conversora de Angiotensina 2 (ECA2), como receptor funcional. Dadas as funções da ECA2 no sistema cardiovascular, a importância dos fármacos direcionados ao Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona (SRAA) em doenças cardiovasculares e a maior gravidade do COVID-19 em pacientes com comorbidades cardiovasculares, a ECA2 tem sido alvo de especial atenção. A ECA2 é uma proteína transmembrana com atividade proteolítica que cliva a Angiotensina II, vasoconstrictora e pro-inflamatória, convertendo-a em Angiotensina 1-7, com ação vasodilatadora. Funciona pois como agente contrarregulatório da ECA1, que gera Angiotensina II. Nos seres humanos, a ECA2 tem um amplo padrão de expressão e é encontrada em epitélio pulmonar (especialmente pneumócito tipo II), miocárdio, endotélio, trato gastrointestinal, medula óssea, rins, baço e outros tecidos; o que potencialmente explica a variabilidade fenotípica do COVID-19. 3-5

Em modelos animais de Síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), o knockout da ECA2 levou a uma maior gravidade de injúria pulmonar. Os efeitos da deficiência de ECA2, entretanto, foram mitigados nos modelos em que também houve o knockout da ECA1 e, portanto, queda da produção de Angiotensina II. Adicionalmente, o uso de losartana reduziu os efeitos da proteína SARS-COV em outro modelo animal de SDRA e também reduziu a gravidade da injúria pulmonar em um estudo de influenza em camundongos.(4,5)

Devido a necessidade da ECA2 para a infecção viral mas também ao seu papel contarregulatorio na atividade inflamatória, o papel dos IECAs e BRAs no COVID-19 tem sido especialmente estudado. A epidemiologia dos pacientes com COVID-19 que fazem uso regular de IECA ou BRA, hoje se confunde com e epidemiologia das comorbidades cardiovasculares que também podem alterar a expressão da ECA2 (HAS, insuficiência cardíaca - IC, Diabetes, obesidade). Essas classes de drogas não agem diretamente sobre a ECA2 mas, ao bloquear o SRAA, resultam em um upregulation da ECA2. Adicionalmente, dados observacionais demonstraram associação entre o uso de IECA/BRA e melhores desfechos em pacientes com COVID-19, levando a especular que reduzem o dano pulmonar agudo ao prevenir a maior permeabilidade vascular, inflamação e fibrose pulmonar medidas pela Angiotensina II (4,5). De modo que, existem conflitos entre hipóteses mecanísticas e achados observacionais, que precisam ser respondidos em um ensaio clínico randomizado.

Metodologia: Ensaio clínico randomizado, multicêntrico (todos no Brasil), aberto em sua randomização mas cego para análise dos desfechos, que incluiu pacientes internados por COVID-19, em uso prévio de IECA ou BRA. Foram excluídos pacientes em uso de mais de 3 classes de anti-hipertensivos, pacientes em uso de salcubitril/valsartana ou internados por descompensação de insufiiência cardíaca no últimos 12 meses. Excluídos também pacientes com indicação clinica de suspensão de IECA ou BRA. Os pacientes elegíveis foram randomizados 1:1 para continuar ou não a terapia com IECA/BRA. Não houve interferência nas demais estratégias de tratamento para COVID-19. O objetivo foi avaliar se a descontinuação de IECA/BRA tem efeito no número de dias vivo e fora do hospital em até 30 dias em pacientes internados por COVID-19.

Principais resultados: Foram selecionados 1116 pacientes entre Março e Junho de 2020, destes 348 não usavam IECA ou BRA e 28 preencheram critérios de exclusão. Randomizados então 740 pacientes, destes, 81 foram excluídos da analise primaria devido a desvio de protocolo em um dos centros. Permaneceram 659 pacientes, 334 alocados para descontinuar IECA/BRA e 325 com manutenção da terapia. Os 2 grupos foram bem distribuídos em relação as característica basais. Idade média de 55 anos, 14,7% com mais de 70 anos, 52% obesos, 40% mulheres. Todos os pacientes tinham HAS e 1,4% tinha IC, 16,7% em uso de IECA e 83,3% em uso de BRA.

Febre, tosse e dispnéia foram os sintomas mais comuns na admissão e apresentaram, em maioria, menor perfil de gravidade com saturação de O2 < 94% em apenas 27,2% e acometimento pulmonar < 25% em mais da metade dos paciente (50,7%) e apenas 11,4% com mais de 50%. Em relação a gravidade da doença, 57,1% foram considerados com acometimento pulmonar leve, 42,9% moderado. Ao final do estudo, a taxa de adesão ao protocolo foi de 71% no grupo da descontinuação e 92,9% na manutenção.

Na análise do desfecho primário, o número de dias vivo e fora do hospital foi de 21,9 dias (DP± 8 dias) no grupo de tratamento descontinuado e 22,9 dias (DP± 7,1) nos que mantiveram uso de IECA/BRA. A proporção de pacientes vivos e fora do hospital ao final dos 30 dias foi 91,9% com suspensão do tratamento e 94,8% no que manteve. A taxa de mortalidade para pacientes sem IECA ou BRA foi 2,7% x 2,8% nos com as medicações (OR, 0,97: 95% IC 0,38-2,52).

Na analise de desfechos secundários, a razão da media de dias internados entre os grupos foi de 1,21 (95% CI 1,02-1,42), favorável ao grupo manutenção do tratamento. Nenhuma outra diferença significativa foi notada em eventos cardiovasculares, biomarcadores ou progressão do COVID 19.

Quando analisados subgrupos, houve uma interação significativa entre o efeito do tratamento, saturação de O2 e gravidade do COVID 19 na admissão hospitalar, com resultados levemente favoráveis a manutenção de IECA e BRA nos pacientes com menor SaO2 e com maior gravidade da doença ao internamento.

Conclusão: Entre os pacientes internados com COVID-19 leve a moderado e que estão em uso de IECA ou BRA antes da admissão hospitalar, não houve diferença significativa no número médio de dias vivo e fora do hospital para aqueles designados a continuar versus interromper o uso dessas medicações.

Impacto Clínico: Os resultados deste ensiao clínico dão mais suporte a manutenção do tratamento anti-hipertensivo com IECA ou BRA, ao mostrar que descontinuar a terapia com IECA ou BRA por 30 dias não afetou a morbimortalidade dos pacientes internados por COVID. Vale ressaltar que os pacinetes incluídos foram considerados com perfil de gravidade leve a moderada. Os achados foram consistentes em todos subgrupos, tanto em desfechos primários quanto secundários, não houve diferença em mortalidade, desfechos cardiovasculares ou progressão do COVID-19. Em análise de subgrupo, há um inclinação favorável a manutenção de IECA/BRA nos pacientes com menor saturação e com maior gravidade da doença ao internamento.

Os achados do presente estudo, apesar de suas limitações, corroboram a atual recomendação das Sociedades de Cardiologia de não suspender o uso de IECA ou BRA durante a pandemia de COVID-19.

Referências Bibliográficas:

  1. Lopes RD et al. Effect of Discontinuing vs Continuing Angiotensin-Converting Enzyme Inhibitors and Angiotensin II Receptor Blockers on Days Alive and Out of the Hospital in Patients Admitted With COVID-19 JAMA. 2021;325(3):254-264;
  2. Wu F, Zhao S, Yu B, et al. A new coronavirusassociated with human respiratory disease in China. Nature 2020; 579; 265-9;
  3. Gheblawi M, Wang K, Viveiros A, et al. Angiotensin-converting enzyme 2.Circ Res.2020;126(10):1456-1474
  4. Reynolds HR, Adhikari S, Pulgarin C, et al. Renin–angiotensin–aldosterone system inhibitorsand risk of Covid-19.N Engl J Med. 2020;382(25):2441-2448
  5. Atri D, Siddiqi HK , et al. COVID-19 for the Cardiologist . JACC 2020 VOL. 5, NO. ; 518-36
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