Estudo Atlantis - Apixabana pós TAVI: solução ou decepção?

02/06/2021, 12:25 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30

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  • Fernando Luiz de Melo Bernardi - Cardiologista Intervencionista e Doutorando em Cardiologia pelo Instituto do Coração de São Paulo (INCOR-FMUSP); Cardiologista Intervencionista do Hospital Regional do Oeste, Chapecó, SC

Pergunta:

A apixabana como terapia antitrombótica pós TAVI é superior à terapia padrão atual?

Mais um capítulo da longa jornada em busca da terapia antitrombótica ideal após implante transcateter de válvula aórtica (TAVI) foi escrito neste último congresso do ACC 2021. Desta vez foi a vez do anticoagulante oral direto (DOAC) apixabana ser testado neste cenário, através do estudo ATLANTIS, apresentado na sessão de late-break clinical trials pelo Jean-Philippe Collet, MD (Pitié-Salpêtrière Hospital, Paris, France). Muitos acreditavam que o ATLANTIS traria uma resposta definitiva para a questão, no entanto, os seus resultados definitivamente ficaram aquém das expectativas da comunidade cardiológica e intervencionista. Mesmo assim, os achados de um de seus subestudos, que avaliou a incidência de trombose subclínica da bioprótese (TSB) por tomografia computadorizada, podem ser vistos como promissores especialmente no cuidado a longo prazo dos pacientes submetidos à TAVI.

O estudo ATLANTIS foi um ensaio clínico randomizado multicêntrico que randomizou pacientes submetidos a TAVI para receber apixabana 5mg 2x/dia (ou 2,5mg 2x/dia conforme critérios de ajuste da droga) após o procedimento ou a terapia padrão atual, AAS monoterapia ou dose ajustada de varfarina nos casos com alguma indicação de uso de anticoagulação oral, como por exemplo, fibrilação atrial. No total, 1.500 paciente foram randomizados 1:1 (749 no grupo apixabana e 751 no grupo controle). Os pacientes eram, de uma forma geral, de risco cirúrgico intermediário, com um STS score médio de 5 e idade média de 82 anos. Um pouco mais de 1/4 dos pacientes apresentavam fibrilação atrial. Ao final do estudo, na análise de intenção de tratar, a incidência do desfecho primário (composto de morte, IAM, AVC, embolia sistêmica, formação de trombo intracardíaco ou na bioprótese, trombose venosa profunda ou embolia pulmonar, e sangramento maior) em 1 ano foi similar entre os grupos. Também não houve diferença em relação ao desfecho primário, quando comparado por subgrupos de indicação de receber ou não anticoagulante oral, conforme se observa abaixo:

  • Apixabana: 18,4% vs. controle: 20,1%; HR 0,92; CI95% 0,73-1,16
  • Pacientes sem indicação a anticoagulação oral (grupo apixabana: 16,9% vs. grupo AAS: 19,3%; HR 0,88; CI95% 0,66-1,17)
  • Pacientes com indicação a anticoagulação oral (grupo apixabana: 21,9% vs. grupo varfarina: 21,9%; HR 1,02; CI95% 0,68-1,51)
  • Quanto aos desfechos secundários, houve uma maior taxa de trombose da bioprótese no grupo controle (1,1% vs. 4,7%; HR 0,23; IC95% 0,11-0,50), diferença essa observada apenas nos pacientes sem indicação a anticoagulante, ou seja, naqueles que receberam AAS monoterapia. A apixabana também se associou a uma menor incidência de trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar (0,1% vs 1,5%; HR 0,09; IC95% 0,01-0,72). Quanto ao desfecho primário de segurança (taxa de sangramento com risco de vida, incapacitante ou maior), ambos braços apresentaram uma incidência de eventos de 8,5%. Um achado secundário intrigante do estudo foi que, no subgrupo de pacientes sem indicação para anticoagulantes, observou-se uma taxa maior de mortes não-cardiovasculares no grupo apixabana (2,66% vs. 0,96%; HR:2,99; IC95% 1,07-8,35). No entanto, os autores afirmaram na apresentação que essas mortes não-cardiovasculares foram de origem séptica ou por insuficiência renal terminal, sem relação com eventos hemorrágicos ou isquêmicos, sugerindo que essa diferença encontrada pudesse ter sido meramente ao acaso.

    Além do resultado principal do ATLANTIS, um subestudo de pacientes submetidos a análise tomográfica 4D também foi apresentado no congresso do ACC 21. Esse olhou especificamente para a incidência de TSB entre 3 a 6 meses após a TAVI, definido como uma mobilidade reduzida ou presença de espessamento característico dos folhetos na tomografia. No total, 762 pacientes foram analisados (370 do grupo apixabana e 392 do grupo controle), sendo observado uma taxa menor de TSB no grupo apixabana, porém sem significância estatística (8,9% vs. 13%; HR 0,65; IC95% 0,41-1,04). No entanto, houve uma interação entre o uso de anticoagulantes (apixabana ou varfarina) e menor incidência de TSB em relação a pacientes que receberam AAS monoterapia, indicando um efeito protetor da anticoagulação.

    Através dos resultados apresentados do ATLANTIS e do seu subestudo tomográfico, podemos chegar a três conclusões: 1) a apixabana como estratégia antitrombótica pós TAVI não reduz eventos clínicos em 1 ano em relação à terapia padrão atual; 2) a utilização da apixabana monoterapia é segura, não levando a incremento de sangramentos ou eventos isquêmicos, ao contrário do que tinha sido observado no estudo GALILEO(1), que também avaliou um NOAC na TAVI, porém com uma estratégia um pouco diferente, onde foi associado uma dose intermediária de rivaroxabana (10mg/dia) ao AAS; 3) a utilização de anticoagulantes reduz a TSB, confirmando achados de estudos prévios, no entanto, pelo menos a curto e médio prazo isso não parece impactar na redução de desfechos clínicos. Importante lembrar que que há a suspeita de que a formação de trombo sobre os folhetos com consequente redução de mobilidade dos mesmos possa estar associado a degeneração estrutural precoce da válvula, permanecendo o questionamento se a redução de TSB com a terapia anticoagulante não poderia trazer vantagens a longo prazo quanto a durabilidade da bioprótese. Este é um questionamento importante para a prática clínica atual, onde a idade e o perfil de risco dos pacientes submetidos a TAVI vem decrescendo, tornando a durabilidade da bioprótese um assunto de extrema relevância. Evidentemente, estudos apropriados com acompanhamento a longo prazo serão necessários para nos trazer uma resposta definitiva.

Referência Bibliográfica

  1. Dangas GD, Tijssen JGP, Wöhrle J, Søndergaard L, Gilard M, Möllmann H, et al. A Controlled Trial of Rivaroxaban after Transcatheter Aortic-Valve Replacement. N Engl J Med. 2020 Jan 9;382(2):120–9.
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