Abstinência Alcoólica em Pacientes Portadores de Fibrilação Atrial

31/07/2020, 10:58 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30

  • Alex Teixeira Guabiru - Especialista em arritmologia, eletrofisiologia e estimulação cardíaca artificial pelo INCOR – USP; - Presidente do departamento de Arritmias da SBC, sessão Bahia 2018-2019; - Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

Fundamentação: Fibrilação Atrial (FA) é a arritmia sustentada mais comum do mundo, acometendo mais de 33 milhões de pessoas e sua associação com acidente vascular cerebral é marcante. Por sua vez, o consumo de álcool é uma prática frequente na maioria das sociedades ocidentais, com mais de 57% dos norte americanos referindo uso regular do mesmo. Diversos estudos observacionais têm correlacionado o consumo de álcool (habitualmente entre 7 e 14 doses por semana) com maior incidência de FA, fibrose atrial, dilatação atrial e recorrência de FA pós ablação por cateter.

Metodologia: Publicado na edição do dia dois de Janeiro de 2020, no New England Journal of Medicine (NEJM), trata-se de um estudo multicêntrico, prospectivo, aberto e controlado, que avaliou 140 pacientes portadores de FA paroxística ou persistente e que faziam uso regular de álcool (10 ou mais doses/semana), randomizando em dois grupos: abstinência/redução do consumo de álcool vs manutenção da ingesta. Os desfechos primários foram liberdade de recorrência de FA e burden de arritmia em 6 meses.

Principais Resultados: A média de idade foi de 62 anos, 85% dos pacientes eram homens, portadores de FA paroxística (65%), com CHADSVASc médio de 1,4, portadores de marcapasso ou looper em média de 38%, sem história de insuficiência cardíaca (91%) e com consumo médio de 17 drinks por semana.

No grupo abstinência houve redução da ingesta de 16,8 para 2,1 drinks/semana e no grupo controle de 16,4 para 13,2 drinks/semana. A definição de recorrência foi FA com mais de 30 segundos de duração após uma fase de blanking de 15 dias. O estudo admitiu run-in de 4 semanas.

Para monitorização de recorrência de FA foram utilizados contatos telefônicos e por e-mail; leituras de marcapasso e loopers; AliveCor (acessório para celular que permite realizar derivação de ECG), ECG de 30 segundos duas vezes ao dia e, para os não aderentes ao repasse dos dados, foi solicitado Holter de 7 dias. A recorrência de FA foi vista em 37 (53%) dos paciente do grupo abstinência vs 51 (73%) do grupo controle ( p 0,005). O burden total de FA foi de 0,5% no grupo abstinência vs 1,2% no grupo controle (p 0,01).

Como desfecho secundário, 9% dos pacientes do grupo abstinência deram entrada em hospitais por FA vs 20% no grupo controle.

Conclusões: O consumo regular de álcool é um potencial fator de risco modificável para ocorrência de FA. A redução na ingesta de 17 para 2 drinks/semana se correlacionou com diminuição de recorrência de FA, assim como redução do seu burden.

Impacto Clínico: O trabalho em questão representa evidência randomizada e prospectiva a respeito dos efeitos proarritmogénicos do consumo excessivo de álcool. Estudos observacionais pregressos apontam para uma curva em U entre consumo de álcool e ocorrência de FA, assim como sua relação com ingestas superiores a 7 drinks/semana.

Contudo, trials como esse encontram algumas dificuldades metodológicas e merecem algumas considerações:

  1. A identificação de FA assintomática. A exceção de pacientes portadores de dispositivos de estimulação cardíaca artificial ou loopers, há marcada dificuldade de computar a verdadeira recorrência de FA e seu burden através de monitoramento por telefone ou, até mesmo, por ECG de 30 segundos seriado;
  2. O efeito run-in (fase na qual se observa, nos pacientes já randomizados, a aderência e tolerância ao tratamento em questão) tente a superestimar o efeito estudado e minimizar seus riscos no mundo real: mais de 20% dos pacientes foram excluídos nessa etapa, por não aceitarem a randomização, por não adesão às medidas e por FA com instabilidade hemodinâmica;
  3. O efeito da abstenção/redução do consumo de álcool pode ter sido “contaminado” por sobreposição com mudança mais ampla do estilo de vida, dificultando a mensuração do real benefício da intervenção isoladamente. Em média, o grupo abstinência perdeu 3,7 Kg quando comparado ao grupo controle e não há dados a respeito de apnéia/hipopnéia do sono;
  4. Os pacientes do estudo eram jovens, por via de regra sem cardiopatia estrutural, em sua maioria portadores de FA paroxística, com duas crises em seis meses e usavam antiarrítmicos em dois terços dos casos; perfazendo um bom perfil para ablação. No cenário da intervenção, dados randomizados e prospectivos são necessários e não foram contemplados nesse trabalho.

Referência Bibliográfica:

  1. 1. Voskoboinik A, Kalman JM, De Silva A, et al. Alcohol Abstinence in Drinkers with Atrial Fibrillation. N Engl J Med. 2020;382(1):20-28. doi:10.1056/NEJMoa1817591
  2. #arritmias

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